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terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Dona Leonor








   Dona Leonor era uma distinta senhora, casada com um proeminente empresário e mãe de dois filhos. A sua vida aparentava ser impecável e decente, sem causar ondas nas correntes do universo. Não tinha vícios visíveis e não costumava sair muitas vezes de casa, preferindo permanecer no seu lar a arrumar os seus pertences e tudo o que necessitava, mandava uma empregada ir buscar aonde quer que fosse.
  Ninguém para além dos seus parentes a conhecia verdadeiramente e as pessoas com quem se cruzava na rua ou nas lojas achavam-na distante, porém educada. Andava sempre arrumada e bem vestida, com o cabelo loiro bem penteado e o rosto discretamente maquilhado. Todos os comerciantes consideravam-na uma boa cliente e geralmente não teciam-lhe mais críticas, visto não terem nada a apontar-lhe. Contudo, os mais atentos podiam vislumbrar o que de pior havia naquela senhora, caso olhassem para além da sua agradável aparência e dos seus gestos suaves. Os mendigos de roupas esfarrapadas e as suas empregadas mais humildes e destituídas de uma boa fisionomia e elegância eram alvo do seu desprezo, tal como os idosos que por ela passavam na rua, meros transeuntes indignos de serem contemplados pelos seus olhos. Dona Leonor convivia com as mais altas esferas da sociedade e relegava para último lugar tudo o que não fosse de seu esteticamente sensível agrado. Seria inconcebível alguma das vis criaturas que povoavam as ruas embaterem na sua sofisticada pessoa.
 Enquanto o seu marido trabalhava e as suas crianças ficavam ao cuidado das amas, entretinha-se a olhar-se ao espelho durante horas, a experimentar as suas incontáveis jóias, os inúmeros sapatos exclusivos e os seus perfumes caros. De vez em quando recebia em seus aposentos um ou outro amante ocasional, desfrutando das adulações e elogios que constantemente lhe teciam. Nas festas que frequentava com seu marido chegava sempre em último lugar, deleitava-se com os olhares de admiração ou de inveja, sentindo-se superior e rainha de todos os que à sua volta se encontravam, pois ela sim era uma fiel adepta da verdadeira beleza. Contudo, o invólucro do seu ser que era o seu corpo, retinha um espírito vazio, despojado de toda a humanidade. O seu único medo e o qual não revelava a ninguém, era nada mais nada menos que envelhecer. Era o que a atormentava dia e noite sem que ninguém soubesse, o que a fazia mirar-se vezes sem conta ao espelho, temendo encontrar uma falha na sua juventude que com o tempo de esvaía.
No dia em que fez trinta e cinco anos, convidou para a sua festa de aniversário as figuras mais ilustres e não hesitou em deixar de fora a sua amiga mais chegada, a qual encontrava-se muito doente e com a pele coberta de chagas, segundo haviam-lhe dito. Naquela fatídica noite ficou a arranjar-se no quarto enquanto o seu marido recebia os convidados e passada uma hora e meia, surgindo finalmente no cimo da escadaria de mármore que ia dar ao enorme vestíbulo, onde a aguardavam ansiosamente. Adornada com diamantes refulgentes e envergando um magnífico vestido de seda vermelha que contrastava com a sua pele de marfim, desceu as escadas com vagar e não resistiu em olhar para o espelho que se encontrava no segundo patamar. O que lá viu fê-la arquejar de horror e vacilar um pouco, esforçando-se por conter-se logo de seguida. Parecia-lhe ter visto um rosto cadavérico e com a carne putrefacta, como a de um cadáver no início da sua decomposição. Decerto seria uma ilusão devido à ansiedade que sentia. Quando a convidaram para dançar, avistou no vidro da janela que tinha vista para o jardim o mesmo rosto e desviou imediatamente o olhar, concentrando-se no seu par de dança. Rodopiando pelo vestíbulo com os seus passos elegantes, não conseguiu ignorar os espelhos que cobriam as paredes e o tecto e sentiu-se quase a desfalecer quando viu a figura putrefacta multiplicada em todos os espelhos. Ajudaram-na a sentar-se numa cadeira e deram-lhe um copo com água, acalmando-a um pouco e trouxeram o seu enorme bolo de aniversário, pousando-o á sua frente para que ela soprasse as velas. Antes de soprar, fechou os olhos e pediu o seu desejo. Uma corrente de ar frio trespassou-a e começou a sentir frio. Evitando olhar para o seu reflexo nas superfícies espelhadas, apressou-se a ir buscar ao seu quarto um xaile e, ao abrir a gaveta do aparador, olhou receosamente para o espelho que o encimava e não ficou surpreendida ao voltar a ver o rosto hediondo. Apesar de horripilante, lembrava-lhe a sua própria fisionomia, os seus próprios traços delicados.
- Sim Leonor, esta é tu, por assim dizer.
Assustada, olhou para a sua cama e viu a mulher que tão bem conhecia sentada no seu leito, com a sua pele isenta de feridas, limpa como antes fora. Queria perguntar-lhe como era possível que ela se encontrasse naquele quarto mas ficara emudecida com o choque.
Adivinhando os seus pensamentos, a sua velha amiga continuou:
- Este não é o meu corpo material, apenas o meu espírito. Vim fazer-te uma última visita e avisar-te que deves ter cuidado com a vida que levas. Deixa de viver tão obcecada com o que aparentas e aprende a cultivar o teu interior, pois esse sim encontra-se a apodrecer, uma vez que o ignoras por completo. Tens um bom marido e dois filhos maravilhosos. Tens beleza e fortuna. Contudo, só dás atenção a ti própria e ao que aparentas. Muda enquanto é tempo. Muda…
 Numa lufada de ar gélido a mulher desapareceu e Leonor deixou-se cair no chão, tentando respirar e recompor-se, de modo a voltar a juntar-se à festa. Lembrou-se do desejo que pediu ao soprar as velas. Tinha desejado que mais ninguém a não ser ela própria se apercebesse de todos os defeitos que surgissem com a idade. Desejava ser sempre admirada e invejada, ser sempre uma musa entre as musas. E assim teria de ser. Ao levantar-se sentiu que o espelho à sua frente a chamava e mais uma vez quis contemplar o seu reflexo. Desta vez deu um grito estridente, pois o seu rosto já não parecia putrefacto. Era agora uma caveira sem pele nem carne, os seus olhos apenas duas órbitas vazias. Não era apenas aquela visão que tanto a horrorizava mas sim o que significava. Agora entendia o que se passava: o reflexo distorcida que vira em todos os espelhos nada mais era que o reflexo do seu interior hediondo, o reflexo do seu espírito conspurcado pela vaidade e pelo narcisismo. Tal como Narciso, não conseguia deixar de olhar para o seu reflexo, indiferente ao facto de que os espelhos não mentiam. O desejo que pedira fora concedido da pior maneira. Seria impossível viver assim o resto dos seus dias, sem que enlouquecesse de vez.
 Ao ouvir os passos de alguém a subir os degraus em direcção ao quarto, correu para a varanda, fechou a porta e contemplou uma última vez o seu adorado jardim antes de subir para o corrimão da varanda e atira-se dela abaixo. A visão do seu corpo esmagado nas lajes de pedra era tudo menos agradável à vista, contrariamente ao que havia sido em vida. 

domingo, 13 de janeiro de 2013

Execução - Parte III








   O Diácono calou as testemunhas ao levantar apenas uma mão, invadindo a pequena plataforma de madeira com a sua presença imponente.
- Meus filhos, finalmente trago à vossa presença a feiticeira que provocou a seca na nossa pátria e assassinou duas crianças. Há muito que temos tido queixas em relação a ela e agora ei-la, à vossa mercê. Se quiserdes, não mais ela chacinará as vossas crianças nem seduzirá ou corromperá os vossos maridos. Que faremos?
- Queimem a bruxa!
- Cortem-na aos pedaços!
- Enforquem-na!
Olhando-os com ar pesaroso, o Diácono silenciou-os novamente.
- Meus filhos, não será necessário proceder à violência extrema. Afinal de contas o nosso Pai é misericordioso. Entre vós há crianças, não vos esqueceis.
Um silêncio contemplativo e pesado cobriu a atmosfera, até ser interrompido com gritos hesitantes e agrupados, até se transformar nos gritos de uma turba enfurecida.
- Queimem a feiticeira!
- É isso mesmo! Derretei o seu rosto provocador!
- Transformai – a em cinzas!
Ostentando uma expressão ligeiramente abatida, o Diácono ergueu o rosto para os presentes e anunciou:
- Muito bem. A acusada será executada imediatamente.
- E defesa, não tenho nenhuma? - Indagou Sybilla, atrevidamente.
- Se quereis dizer algo é permitido, mas o povo e o Pai Sol são os juízes - respondeu o Diácono.
Após atarem-na ao poste, deixando os braços livres, a feiticeira voltou-se corajosamente para o público e disse em voz alta e clara:
- Minha pobre gente insana. Achais que sou a culpada de tudo apenas porque precisam de um bode expiatório. Quantos de vocês não ajudei? Se alguns morreram foi porque não fui forte o suficiente para ser bem sucedida. Pobres ignorantes. As pessoas que vos podem salvar vão sendo executadas e acabareis condenados pela vossa intolerância. Ouvi com atenção, pois mais não falarei: após a minha morte virá alguém, alguém cujo poder e intensidade não poderá ser explicado por palavras. Aquele que virá fará grandes coisas e a magia residirá nas suas obras, mas esse também abominareis e condenareis à morte. O vosso Diácono lá estará quando tal acontecer. Malditos sejais todos vós!
 A multidão não teve tempo para reagir às suas palavras, pois imediatamente foi ateada a fogueira e o fogo alastrou-se a uma velocidade considerável. Contudo, Sybilla não se mostrou alarmada e deu uma das suas gargalhadas arrepiantes. Em vez de gritar de medo, fechou os olhos e levantou bem a cabeça, chamando a si todas as suas forças. Eles não sabiam com quem se estavam a meter e doravante brincavam com o fogo. Subitamente o céu encheu-se de nuvens escuras e as crianças começaram a chorar. O ar estático ganhou vida e a audiência foi surpreendida por uma leve brisa, transformando-se de seguida numa rajada de vento. As suas vestes enfunavam com o vento e os cabelos esvoaçavam enquanto a fogueira parecia apagar-se. Mas não foi o que aconteceu. O fogo espalhou-se em redor, algumas faúlhas alojando-se nos telhados das casas e nas plantas ressequidas. Rapidamente o fogo alastrou e a multidão dispersou-se aos gritos, acorrendo ao rio para apagar o fogo crescente. Sybilla foi solta da fogueira quase apagada e voltaram a atirá-la para a jaula.
- Onde me levam, seus desgraçados?! - Interrogou ela, exasperada.
- Temos de fazer algo antes que destruas a nossa terra – retorquiu o Diácono, subindo para a frente da carroça, conduzindo-a ele próprio com o sub-diácono a seu lado com ar aterrado.
Os soldados seguiram-no a cavalo e numa corrida desenfreada, alcançaram o lago no bosque. Antevendo o que se passaria a seguir, Sybilla resistiu quando a retiravam e tiveram de a espancar até a conseguirem controlar. Mesmo assim arranhou uns quantos rostos e arrancou uns quantos tufos de cabelo.
Rapidamente a puseram de joelhos enquanto o diácono recitava a oração aos condenados e Sybilla conseguiu libertar-se, arrastando-se e agarrando-se ao peitilho da camisa imaculada do religioso. Ela abordava-o e adulava-o com uma intimidade nada adequada.
- Augustus, por favor, não me desgraces ainda mais. Pelos momentos que passámos juntos, não me afogues. Deixa-me fugir.
O diácono mostrou-se atordoado e incomodado por ter sido chamado pelo seu verdadeiro nome, mas não cedeu.
- Não lhe dêem atenção. Ela sabe o meu nome por bruxaria – explicou o religioso perante os olhares atónitos - Atem-na e atirem-na à água - ordenou ele sem entusiasmo nem autoridade na voz. Dissimuladamente cobriu os olhos, voltando-se de costas após o terem ajudado a subir ao barco, conduzindo-o até à parte mais funda do lago.
 Incapazes de suportar mais os gritos da feiticeira, amordaçaram-na e atiraram-na ao lago. Durante vários minutos Sybilla agitou-se desesperadamente, mas encontrava-se demasiado enfraquecida e dormente. A última coisa que viram foi um fiapo negro do seu vestido amarrotado.
 Em silêncio voltaram à cidade e constataram com desespero que o fogo continuava persistente. O Diácono e o seu subalterno rezaram fervorosamente de joelhos no chão empoeirado enquanto anoitecia. Sob o céu negro, a visão contrastante do fogo era aterradora.
No interior de uma casa a ruir encontrava-se uma menina aos gritos e seus pais gritavam de desespero no exterior, gritando por ajuda.
 Subitamente o vento voltou a avivar-se e sentiram em vez de ver uma presença densa e intoleravelmente forte e omnipresente. Quando tudo parecia perdido, sentiram leves picadas frescas e, com uma força impressionante, bátegas de chuva grossa começaram a cobrir a terra como um manto de água. A população prostrou-se de joelhos, chorando e gritando, mal crendo na sua sorte. Alguns mais atentos avistaram uma mulher de branco com a cabeça coberta por um capuz no cimo da igreja com os braços majestosamente erguidos em direcção ao céu. A menina na casa em chamas foi resgatada do fogo milagrosamente e totalmente extinto e muitos recolhiam a chuva com o chapéu ou molhavam o rosto sujo. Quando a mulher misteriosa baixou o capuz, a sua cabeleira vermelha resplandeceu como uma chama viva e não se molhou.
- Olhem, é a feiticeira! - Gritavam as testemunhas, apontando atónitas. Contudo, os outros nada viram, pois o espírito havia desaparecido.
 Sentada no telhado mais longínquo da igreja, o espírito que outrora fora Sybilla contemplava a sua obra, satisfeita. Pobre gente insignificante. Ao pensarem que a condenariam à danação eterna, libertaram-na do fardo da sua existência, concedendo-lhe uma oportunidade para fazer algo de grandioso antes de reencarnar em outro corpo. Mas não ainda; ainda era cedo. Deixá-los rejubilar com a chuva que evocara, preenchendo-lhes as suas insignificantes vidas. Afinal de contas eram leigos da magia, cegos ao poder que trepidava à sua volta desde o início dos tempos.
Antes que o destino decidisse o seu rumo a tomar, Sybilla investigou sobre o que levou à sua execução, acabando por descobrir o culpado.
 Três dias após o acontecimento, o conde Berestorf comemorou o seu 35º aniversário, tendo recebido centenas de cartas de felicitações. A última a ser aberta continha um odor que lhe era familiar e dizia:
«Meu caro Berestorf. Queríeis a minha atenção e venho por este meio concedê-la. Sabíeis que bastava uma noite para vos conhecer e achei-vos medíocre, tão viril quanto um velho padre. Quisestes vingar-vos de mim e instigar o povo à revolta (sei muito bem que as criaturas não tinham alento suficiente para exigir a minha morte) e agora eis-me banida da vossa pacata e imprestável forma de vida. Em breve vos cumprimentarei antes de partir.»
Após um intenso enrubescer, o rosto do conde empalideceu visivelmente. Desesperado, rasgou a carta e pediu protecção do Diácono, mas mesmo estando este último alojado próximo de seus sumptuosos aposentos, nada pôde fazer contra a ira de um espírito.
Uma semana depois o conde foi encontrado na cama com alguns dentes partidos, a carne perfurada por pregos, os membros deslocados e o corpo completamente nu e ensopado, atado e amordaçado.

sábado, 12 de janeiro de 2013

Execução - Parte II


  



  Pouco antes do anoitecer, Sybilla sentiu a estranha vibração da terra que reflectia as energias malignas e negativas de quem a pisava. Os carrascos vinham aí e ela estava preparada.
  Contudo, em vez de se deixar ficar à espera que a apanhassem, esperou que os atacantes surgissem detrás dos ramos dos salgueiros e deu um grito forçado. Alguns homens armados olharam em volta confusos, acabando por avistar um vulto de negro correr velozmente por entre as árvores. Fingindo-se assustada, a feiticeira olhava para trás diversas vezes, deixando indícios de sua presença de propósito. Ziguezagueando pelo bosque, conseguiu despistar os seus perseguidores durante vários minutos, apesar de os cães de caça ajudarem sobremaneira na busca. Quando se aproximaram perigosamente, Sybilla abrandou a corrida desenfreada e deixou que o soldado mais veloz a agarrasse por trás, prendendo - lhe os braços atrás das costas. Em vez de se tentar libertar, a mulher riu com escárnio, suas gargalhadas loucas ecoando pela imensidão do bosque. Os homens mostraram-se incomodados e confusos, depreendendo pelo seu estranho comportamento que a mulher era completamente louca. Mais três soldados rodearam-na e içaram-na bruscamente sobre uma carroça, a qual transportava uma jaula de metal enferrujado. Após trancarem a jaula, limparam o suor do rosto devido ao calor anormal que se fazia sentir.
- Ainda tendes vontade de rir? - Perguntou-lhe um deles com desdém.
Sybilla respondeu-lhe com uma rosnadela:
- Vós sois mesmo patéticos. Acham que vos receio? Não passais de peões num jogo maior.
- Calai-vos, bruxa maldita – ordenou-lhe o que parecia mais velho e o que menos escondia o facto de estar a admirar as suas pernas semi - expostas.
- Ah, gostais do que vedes? - Pois contentai-vos apenas em olhar.
O homem evitou o seu olhar e limitou-se a cuspir para o chão.
- Vamos, acabou-se o descanso - anunciou ele pouco tempo depois.
 Os homens rodearam a jaula e caminharam em silêncio. Estranhamente, o cavalo que transportava a carroça mostrava-se nervoso e não parava de resfolegar, enquanto a feiticeira murmurava palavras numa língua estranha. Por vezes um dos soldados necessitavam de se aproximar da carroça e abri-la para confirmar que a mulher ainda se encontrava na sua prisão. Isto porque por momentos parecia que ela desaparecia e reaparecia  após alguns minutos. Cada vez que um captor procurava na jaula, afastava-se com um profundo golpe na face, fazendo - o uivar de dor. Enquanto a estranha escolta avançava, o ar parecia tornar-se mais pesado e obscuro, como se aquele lugar estivesse assombrado. Mesmo sem confessar o seu medo, os soldados aproximaram-se mais uns dos outros, temendo ser atacados por algum espírito maligno.
- Cobardes - dizia Sybilla com desdém.
O sol encontrava-se sobre o horizonte quando alcançaram uma gruta ampla e cheirando levemente ao sangue abundante e ferroso. Do seu interior saiu um homem alto e robusto de cabelo prematuramente grisalho, acompanhado por um jovem mais baixo e franzino, mas belo e no auge da sua juventude, de cabelos tão dourados como os de um querubim. Ambos envergavam vestes brancas e um colar pesado com uma medalha de ouro contendo um sol de vários raios no seu interior em baixo – relevo. Apenas o homem alto envergava uma estola vermelha – escura sobre os ombros.
Sybilla dardejou-lhes um olhar cheio de ódio e proferiu obscenidades em voz baixa, mas audível.
- Aproximem a acusada - ordenou o homem corpulento com firmeza.
Dois soldados retiraram-na da jaula e seguiram os sacerdotes, praticamente arrastando a feiticeira.
- Sabeis porque estais aqui? - Perguntou-lhe o homem da estola sem a fitar.
- Porque não me dizes tu, monstro? - Retorquiu-lhe ela, arreganhando-lhe os dentes num sorriso feroz.
Sem ter visto de onde, uma mão pesada esbofeteou-lhe o rosto, rasgando-lhe o lábio.
- Tratai o Diácono com respeito! - Ordenou-lhe uma voz.
O soldado que se encontrava atrás empurrou-a para a frente, fazendo-a cair de joelhos e não a deixando levantar. Quando ela ia proferir algo mais, o Diácono levantou uma mão, impedindo os soldados de agredirem a ré.
- Estais cativa e sois acusada de heresia e do homicídio de duas crianças por estrangulamento.
- Acreditais mesmo nisso, padre? Não achais que sou carinhosa? - Perguntou-lhe Sybilla com um sorriso provocante, fazendo o Diácono corar levemente.
- Como vos atreveis?!... - Rosnou o Diácono, mas logo recuperou a compostura.
- Mantendes pactos com o demónio e isso é imperdoável aos olhos do Pai - Sol, aquele que só contém pureza.
Sybilla bufou e cuspiu para pés do Diácono com desdém, rindo histericamente quando outra bofetada violenta a atingiu.
O jovem que ladeava o Diácono estremeceu e desviou o rosto ao ver um dente cair da boca da feiticeira.
- Vedes o que fazem os sacerdotes? Ainda quereis pertencer à Santa Ordem? - Dirigiu-se Sybilla ao rapaz que empalidecia visivelmente. Ele limitou-se a baixar o rosto.
- Calai-vos! - Bradou-lhe o Diácono - Não vos dei permissão para falar!.
- Malditos. Sois todos uns desgraçados - retorqui Sybilla com desdém.
O diácono fez sinal para a levarem para uma cadeira pesada de madeira e ataram-lhe os pulsos com cordas grossas e ásperas, irritando a pele pálida e sensível de Sybill. Porém ela nunca deu sinal de desconforto.
- Jovem, não nos provoqueis e arrependei-vos de vossos pecados. Só assim sereis poupada -aconselhou o Diácono.
- Como posso arrepender-me de algo que não fiz?! - Retorquiu ela indignada.
Dizei a verdade! - Ordenou o sacerdote.
- Não há verdade na vossa maldita Ordem.
Outra bofetada aterrou no seu rosto.
- Confessai vossos pecados!
- Pobres desgraçados.
Um murro no rosto partiu-lhe a cana do nariz e turvou-lhe a visão por um bom bocado enquanto engolia sangue.
- Confessai, maldita!
Sybilla  abriu o olho inchado tanto quanto podia e fitou o Diácono com expressão séria, surpreendendo-os com uma gargalhada estridente e assustadora.
- Pela última vez, confessai!
Nova gargalhada.
 Desta vez Sybilla teve de ser arrastada até  uma nova cadeira, esta coberta de pregos. A feiticeira só o notou após se ter encostado e terem atado uma corda em volta do seu pescoço. Um gemido de dor escapou-lhe da garganta ao sentir inúmeros pregos penetrarem-lhe a carne.
Ninguém falou desta vez e apenas se limitavam a olhá-la enquanto esperavam que a resistência da prisioneira findasse. O suor escorria-lhe pela face e o corpo era percorrido por arrepios, mas ela fechou os olhos e concentrou-se, ignorando a dor.
 Quando se cansaram de esperar, libertaram-na e ataram-lhe os pulsos a duas argolas, expondo-lhe as costas. Chicotearam-na com um chicote triplo repleto de espigões, rasgando-lhe a pele e a carne. Desta vez a feiticeira gritou livremente, mas amaldiçoou-os com fervor, fazendo com que todos rezassem em uníssono.
 Quando as suas costas se tornaram uma massa ensanguentada, deitaram-na numa mesa grande e ataram-na pelos pulsos e tornozelos, esticando os membros abertos com um torno. As junções dos ossos começaram a separar-se, mas Sybilla manteve-se silenciosa, drogada pelos efeitos do fumo que inalara na fogueira, a qual começava a fazer efeito. A dor continuava a ser agonizante, mas o corpo não soçobrava. Quando um estalo se ouviu nas suas pernas, soltaram-na e sustentaram-na pelos braços, pois ela era incapaz de andar devido às pernas partidas.
- Que Deus tenha pena de vós – disse finalmente o Diácono e, num silêncio acutilante, atiraram-na para a carroça.
Quando Sybilla voltou a recobrar um pouco da sua consciência, encontrava-se no centro da aldeia, em frente ao pelourinho e uma multidão crescente juntou-se à sua volta, a uma distância cautelosa. A população tinha um ar cansado e faminto, a pele ressequida pelo sol devido à seca que assolara o território há meses. Não era o ódio que os movia, apenas o desespero e a tristeza. Apenas alguns gritavam, apontando a pilha de madeira junto ao, pelourinho:
- Queimem a bruxa!







quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Capuchinho Vermelho



  O dia amanhecera sombrio e Capuchinho Vermelho optou por sair bem cedo antes que uma tempestade desabasse. Sua mãe ainda dormia e não lhe deu vontade de sequer lhe escrever um bilhete para que não se preocupasse. A menina sentia imensas saudades de sua avó e pretendia levar-lhe naquele dia uma cesta de plantas medicinais, como forma de retribuir a generosidade da oferta de um amuleto contra o mau-olhado em forma de lagarto. Pé ante pé e vestindo a sua capa de oleado vermelha, lá se pôs a caminho. A sua casa era isolada e por esse motivo não se via ninguém durante meses naquela floresta, excepto lenhadores ocasionais. Mal colocou um pé fora de casa, apercebeu-se de um silêncio incómodo que certamente constituía um mau presságio. Como sua avó dizia, o mundo conhecia as tragédias muito antes de nós e era por esse mesmo motivo que o silêncio se impunha e os cães uivavam desoladamente.
  Caminhando com um cuidado excessivo, com um medo inconsciente de quebrar o sossego, capuchinho vermelho caminhou lentamente e foi colhendo algumas flores silvestres pelo caminho. Contudo, após cheirá-las com deleite, atirava-as ao chão e espezinhava-as pois sentia que toda a Natureza desdenhava a sua existência. Os pássaros cessavam de cantar à sua aproximação, veados fugiam esbaforidos ao sentirem o seu cheiro (que mal tinha o seu odor?) e crianças choravam sem parar se ela as tocava. Além disso sua mãe não gostava que a sua filha contactasse com ninguém, a não ser que fosse estritamente necessário. Pobrezinha; uma rapariguinha tão nova e já consciente da recusa do mundo pela sua existência.
  Quando se sentiu mais à vontade, correu e saltitou a uma velocidade invulgar, fazendo os ramos das árvores agitarem-se à sua breve passagem. À medida que avançava para o interior da floresta, encontrou o carreiro sombrio que ia dar à casa da avó, pois o cheiro, apesar de ténue, era acolhido por suas pequenas narinas. Não resistindo e ignorando os conselhos de sua mãe acerca de não enveredar por carreiros desconhecidos, Capuchinho Vermelho atirou a capa para trás e avançou corajosamente. Contudo, a sua mente começava a soçobrar aos ruídos estranhos que a rodeavam, imaginando inúmeros monstros e demónios em todas a sombras.
  Quando o caminho parecia nunca mais terminar, Capuchinho Vermelho avistou uma abertura lá ao longe no emaranhado de árvores, mas antes que pudesse sentir-se aliviada, um lobo enorme e cinzento-acastanhado saltou à sua frente. Sem emitir um único som, a menina recuou um passo e encostou o cesto com força ao peito.
« Que belo pitéu encontrei hoje. Há tanto tempo que não ferro o dente em carne fresca», parecia pensar o lobo que rosnava num tom baixo, ameaçador.
Abanando a cabeça várias vezes e abrindo muito os seus grandes olhos azuis, a criança virou-se para fugir, mas o lobo atirou-se a ela. Após uma luta feroz e silenciosa, Capuchinho Vermelho limpou uma lágrima e retirou os dentes que mordiam a traqueia do animal. Pesarosa, acariciou-lhe o pêlo macio e denso, dizendo com a sua vozinha inocente:
- Porque é que tiveste de te aproximar de mim e não fugiste como os outros? Eu não queria...tu é que começaste...
Rezando durante uns minutos pela alma do lobo, recolheu o seu cesto e as plantas espalhadas pelo chão e atirou o animal para cima do ombro, um volume ridiculamente grande para o seu tamanho diminuto.
Minutos depois, a menina bateu à porta da casa sombria de madeira e a porta abriu-se automaticamente. A sua avó fumava um cachimbo de ervas descontraidamente.
- Olá minha querida neta, vem cá. A menina obedeceu e poisou o lobo cuidadosamente em frente à lareira crepitante.
- Olá avó -cumprimentou a menina, subindo-lhe para os joelhos.
- Estou a ver que já te alimentaste. A pelagem e a carne aproveitar-se-ão bem.
-Obrigada - disse a avó, tentando ocultar o receio na sua voz que tremia ligeiramente.
- Avó?...
- Sim, querida netinha.
- Porque é que até tu tens medo de mim? - perguntou a menina inocentemente.
- Não é medo querida, apenas deves ter cuidado para não magoar ninguém. És muito, muito forte, a minha super netinha.
- Ah, está bem.
- Tens fome? -  perguntou a velha, sorrindo a custo.
Capuchinho Vermelho anuiu entusiasticamente.
Com um gemido de dor, a velha levantou-se a custo e foi matar uma galinha, vertendo o se sangue para dentro de uma caneca.
- Bebe minha linda.
- Obrigada avó.
- És muito educada e ajuizada, minha linha. Diz lá: quantos anos tens ao certo?
- Cinco anos, avó.

Execução - Parte I




  Era um sombrio dia de Sábado e Sybilla saíra de sua cabana quando o vento começou a soprar com maior frescura naquela tarde de final de Verão. O céu soturno escurecia e ela conseguia escutar com clareza os murmúrios das ervas e das árvores. Descalça sobre o chão coberto de pedras e musgo seco, dirigiu-se para a margem do lago esverdeado e profundo, subindo para o seu pequeno barco. Sem que o empurrasse, a embarcação entrou no lago e vogou nas águas calmas, cobertas pela sombra dos imensos salgueiros, ancestrais como os ossos desconhecidos que repousavam naquele bosque. Por vezes Sybilla sentia a presença dos espíritos, seguindo-a por todo o lado com curiosidade. O vento espalhava o seu cabelo ruivo e rebelde, quente e brilhante com o tom de cobre e seus olhos azuis e frios eram um contraste no seu rosto pálido e na sumptuosidade da sua cabeleira forte. Aqueles olhos eram tão belos como terríveis, plenos de sabedoria e de uma calma aparente, a qual poderia ser perturbada pela mínima situação desagradável.
O fim viria em breve, ela sabia, mas não adiantava encolher-se num canto e lamentar a sua sorte. A sua vida havia sido suficientemente longa e os seus feitos completavam cada década que vivera. Há muito deixara de contar quantas luas sua idade contava  mas ainda era jovem e saudável, mais resistente que muitos homens e até soldados. Conviver em harmonia com os elementos granjeara-lhe uma força e sabedoria incríveis, dignas de qualquer feiticeira... Feiticeira, um nome que frequentemente utilizavam quando a abordavam, mas com um respeito e tremor calculado. Os aldeãos sabiam que não deveriam abusar da sua sorte, pois um feitiço seu poderia matar instantaneamente ou então matar lentamente, torturando a vítima até ela acabar por desejar morrer, delirando e enlouquecendo em agonia.
 Naquele Sábado os espíritos encontravam-se em harmonia com o seu espírito, sereno e impávido em relação às energias exteriores. O vento, o lago, as árvores, a sua alma. Todos se movimentavam numa dança vital, mas ao mesmo tempo estática e plena de poder.
 O ar esfriava, mas Sybilla nem sequer dava por isso, de olhos fechados e em contemplação, belíssima e de aspecto nobre, envergando apenas um vestido cinzento flutuante e o seu habitual colar de prata com o pendente de pentagrama.
Nessa noite ela não dormiu, colocando algumas roupas sob os cobertores de modo a camuflar a sua ausência. Quando eles chegassem para a matar, espetariam facas e forquilhas no seu colchão, mas não encontrariam nada. Ela encontrava-se na clareira do bosque, tão longínqua da segurança da aldeia que apenas lenhadores desesperados se atreviam a lá ir para apanhar madeira. Após recolher algumas ervas , atirou-as à fogueira e acrescentou  a erva-moura, as violetas e a camomila que guardava no seu saco de serapilheira. Imediatamente ergueu-se um fogo lilás e adocicado, enchendo o ar de perfume agridoce, semelhante ao cheiro das flores com as quais se velavam os mortos. Quando a lua ia alta no céu, os lobos uivaram e os mochos piaram, tecendo uma melodia fúnebre enquanto a feiticeira depositava no chão sete galhos em círculo à volta da fogueira. Cortando o pulso direito, pintou os troncos com as Runas Negras e salpicou o chão. Do seu saco retirou uma galinha preta morta e abriu-lhe a garganta, salpicando a fogueira com o sangue. Depois retirou-lhe as penas e atirou-as ao vento.

O sangue canta mais alto,
Ao chegar a última hora,
O espírito cedo se liberta,
Ao romper da aurora.

Sybilla recitava estes versos vezes sem conta enquanto caminhava num passo dançante em volta da fogueira, despindo a túnica enquanto se movia. A luz do luar iluminou o corpo despido e ela suspirou de prazer, embriagada pelo poder que afluía ao seu corpo dormente. Todavia a sua mente encontrava-se extremamente aguçada, sendo capaz de escutar o zumbir de uma mosca e o bater das asas de um morcego na gruta a quase um quilómetro de distância. Tal como uma feiticeira, Sybilla amava o seu corpo e a sua alma tanto como a Natureza em seu redor. Era um espírito livre, não se deixando prender por laços afectivos e dormindo com vários homens da aldeia que vinham ao seu encontro de livre vontade. Todos os Sábados um belo jovem ou homem mais maduro partilhavam o seu leito, voltando para casa na manhã seguinte meio drogados das suas ervas, aturdidos e enfraquecidos pelos cortes profundos em seus braços. Nenhum deles se lembrava do que acontecera na noite anterior. Apenas pensavam que tinham vagueado bêbados pelo bosque adentro.
A feiticeira era susceptível a sentimentos de luxúria, mas não se importava de curar quem quer que seja, sendo o pagamento pago em géneros, apenas por quem podia pagar. Na semana anterior dois meninos gémeos ardiam em febre e seus pais aflitos acorreram à Feiticeira, desesperados porque nem o padre nem o médico descobrira qual o seu mal. Sybilla cheirou o hálito das crianças e examinou-lhes as pupilas.
- Estas crianças estão possuídas - afirmou ela.
- Não pode ser, senhora. O padre não nos disse nada disso. Apenas pediu que rezássemos com fervor.
- Pois, só poderia ser – resmungou Sybilla de dentes cerrados com desprezo. Ela sabia que o padre gostava de manter as pessoas na ignorância porque receava os demónios acima de qualquer coisa. Há muito que Sybilla se libertara do medo.
- Malditos, amaldiçoados. Gente cretina que só sabe segurar o terço - começou a dizer uma das crianças. A outra mordia os dedos até fazer sangue e gritava como louca.
- Por acaso acham que isso é sinal de doença? - perguntou a feiticeira, apontando as crianças.
- Por favor, faça alguma coisa. Peça ao Pai Sol que os cure – implorou o pai.
- O pai Sol não existe a não ser na vossa cabeça, homem! O nosso único deus é a Natureza, a nossa mãe e divindade – contrariou Sybilla, admoestando-os como se se tratassem de crianças. Era o que aquela gente comum era.
- Vão-se embora e eu logo verei o que fazer – ordenou ela.
- Nem pensar! Sabe-se lá o que lhes fará se nos formos embora - retorquiu a mãe, cruzando teimosamente os braços.
- É assim que preferem?! Então desapareçam da minha vista com os vossos filhos amaldiçoados! - vociferou-lhes Sybilla, libertando um pouco do seu poder em suas palavras. Assustado, o casal baixou a cabeça e retirou-se apressadamente.
Sybilla olhou as crianças com desprezo, pois agora pouco restava delas. Pendurou um pentagrama de ouro sobre elas e entoou canções do Povo Antigo sem nunca lhe falhar a voz. Os rapazes gritavam e esperneavam, mas não se conseguiam mover, espumando pela boca de frustração. Por várias vezes ela ordenou-lhes que revelassem o seu nome, mas não obedeceram, escarnecendo dela. Por vezes bateram-lhe quando se aproximava mas não cedia, impávida e indiferente aos ferimentos. Derramou-lhes água de uma fonte virgem, enfraquecendo-os um pouco, mas cedo recuperaram. A crianças ainda se encontravam vivas não devido à fé e orações dos pais, mas sim porque Sybila não sucumbia, lutando durante toda a noite e nunca demonstrando receio, mesmo quando as crianças falaram com vozes guturais.
Quando já não havia nada a fazer, Sybilla perguntou-lhes:
- O que querem vós afinal, pelo nome da Deusa?!!
- Queremos a tua alma! - gritaram os demónios em uníssono.
- Vós, demónios e espíritos, sois tão fracos que apenas se conseguem manifestar claramente no corpo dos vivos. Insignificantes, não me metem medo.
Um deles tentou possuí-la e Sybilla conseguiu vislumbrar um rosto de fumo terrível, mas o seu espírito não vacilou e repeliu o demónio com imenso poder, fazendo-o uivar de agonia.
Quando o céu começou a clarear lentamente, os demónios forçaram as crianças a sufocarem-se a si próprias e a feiticeira nada conseguiu fazer. Nessa manhã os pais das crianças gritaram de dor e amaldiçoaram Sybilla, acusando-a de ter assassinado os seus filhos.

- Foram os demónios, seus ignorantes! Desapareçam!
 Sem provas não podiam fazer muito na aldeia mas Sybilla era demasiado perspicaz para não desconfiar do clero daquela aldeia nos confins de Vaticcania. Quando pensassem que a apanhariam desprevenida, matá-la-iam.
Quando Domingo amanheceu, Sybilla banhou-se no lago e vestiu a sua túnica negra de capuz, apenas usada em ocasiões que requeriam muita coragem e concentração. Era de seda negra simples, mas havia sido fortalecida no ritual de iniciação do seu mestre. Ao contrário do que se pensava, uma feiticeira não era educada por outra, mas sim por um feiticeiro e vice-versa, de modo a poderem ter relações sexuais pela primeira vez com alguém poderoso e do sexo complementar. O seu mestre fora o primeiro homem que a tivera e único que a cativou e traiu. Mas isso era outra história.