Uma vez, um homem muito rico estava vivendo em Benares, na
Índia do Norte. Ele tinha uma filha que era uma das mais belas mulheres na
cidade, sua pele era macia como pétalas de rosas, seu corpo era belo como uma
flor de lótus, e seus cabelos tão negros como a noite, porém, infortunadamente,
sua beleza era somente à flor da pele, porque, por dentro, ela era muito
cruel. Ela insultava seus serventes e
até mesmo se deleitava em bater neles. Ela tornou-se conhecida como “ A Dama
Malvada”.
Um dia ela desceu ao rio para seu banho, enquanto
banhava-se, suas jovens serventes brincavam e espirravam a água. De repente se
tornou escuro e uma forte tempestade de chuva caiu sobre elas. A maioria das serventes e dos guardas correu.
As jovens serventes falaram entre si, “Este pode ser o momento ideal para
livrar-se da Dama Malvada de uma vez por todas!” Assim eles a abandonaram alí,
ao largo. A tempestade tornou-se de mal a pior a medida em que sol se punha.
Quando as jovens serventes chegaram em casa sem a Dama
Malvada, o homem rico perguntou-lhes, “Onde está minha preciosa filha?” Elas
responderam, “Nós a vimos saindo do rio, mas desde então não a vimos mais. Não
sabemos aonde ela foi.” O homem rico mandou seus parentes procurá-la, porém ela
não foi encontrada em lugar algum. Nesse meio tempo a Dama Malvada havia sido
arrastada correnteza abaixo pela feroz
enchente do rio.
Aconteceu exatamente de existir um santo homem vivendo na
floresta próxima ao rio. Nesta área tranqüila ele tinha estado meditando por um
longo período, até que chegou a desfrutar a felicidade interna de um elevado
estado mental. Por causa desta felicidade, ele sentia-se bastante seguro de que
havia deixado para trás os desejos mundanos.
Era mais ou menos
meia-noite quando a Dama Malvada, carregada pela violência das águas do
rio, passava pela choupana do santo homem. Ela estava chorando e gritando por
socorro. Quando a ouviu, o santo homem compreendeu que uma mulher estava em
perigo. Então, ele pegou uma tocha, desceu para o rio, e a viu sendo arrastada
ao longo. Ele mergulhou e a salvou, ele a confortou dizendo, “Não se preocupe,
eu cuidarei de voce.”
Ele a carregou para dentro de sua choupana e acendeu o fogo
para secá-la e aquecê-la e deu-lhe frutas para comer. Quando ela comeu o
bastante, ele perguntou, “Onde você
mora? Como você caiu no rio? ” Ela então lhe falou sobre a tempestade e
de como suas serventes a desertaram. Ele teve compaixão por ela e a deixou
dormir em sua choupana pelas duas noites que se seguiram, enquanto ele próprio
dormia ao relento.
Quando ela recuperou suas forças, ele lhe disse que era
tempo dela retornar à casa. Mas ela sabia que ele era o tipo do homem santo que
jurou nunca viver com uma mulher como marido e mulher, e que foi por isso que
ele dormiu ao relento e a deixou dormir em sua choupana.
E justamente para provar sua própria superioridade sobre
ele, a Dama Malvada decidiu seduzi-lo levando-o a quebrar sua promessa
religiosa. Ela recusou-se a ir embora enquanto não o induzisse pela astúcia a
enamorar-se dela e usou das posturas, truques e bajulações que as mulheres
aprendem. O santo homem não foi forte o bastante para resistir ao jeito
tentador dela e poucos dias depois foi seduzido e quebrou sua promessa.
Começaram então a viver juntos na calma floresta como se
fossem marido e mulher, ele perdeu a felicidade interna que havia adquirido
através de anos de meditação.
Porém, muito rápido a
Dama Malvada tornou-se entediada com a vida na floresta pois sentia falta do
barulho e da agitação da vida agitada da cidade. Tanto arrulhou, tanto
persuadiu, que o convenceu, e eles mudaram-se para uma vila próxima.
De início, o santo homem a manteve com a profissão de
leiteiro. Tempos depois, os aldeões chegavam e lhe pediam conselhos e logo
entenderam que o fato de ouvi-lo lhes traziam boa sorte. Então começaram a
chamá-lo de “Leiteiro Sábio,” e lhe deram uma cabana para morar.
Aconteceu que um dia a vila foi atacada por uma quadrilha de
bandidos que roubaram todas as coisas valiosas e seqüestraram alguns dos
aldeões, incluindo a Dama Malvada. Quando chegaram aos seus esconderijos na
floresta dividiram seus saques e quando começaram a dividir os prisioneiros, o
chefe dos bandidos se sentiu atraído pela grande beleza da Dama Malvada e a
tomou para si como esposa.
Todos os demais prisioneiros foram logo libertados e quando
retornaram à vila o Leiteiro Sábio perguntou o que aconteceu com sua
esposa. Eles disseram que ela fora
mantida como esposa pelo bandido chefe. Ele pensou, “Ela nunca será capaz de
viver sem mim e irá encontrar um jeito de escapar e vir para mim.”
Entendendo que a vila agora era azarada, todos os outros a
deixaram, mas o Leiteiro Sábio
permaneceu em sua cabana, convencido de que sua esposa voltaria.
Eis que, pasmem, a
Dama Malvada adorou a excitada vida dos bandidos! Porém, preocupada que seu
marido pudesse vir e levá-la de volta, pensava que poderia então perder todas
as suas mais recentes luxúrias, e que seria mais seguro esconder-se dele. Ela
pensou, “Vou mandar uma carta para ele, fingindo amá-lo profundamente
e, justamente como antes, vou
usar meu poder de sedução para levá-lo à ruína só que desta vez ele irá encontrar
sua morte e eu continuarei como a rainha do bandido!”
O Leiteiro Sábio acreditou em todas as palavras quando
recebeu a carta. Ele precipitou-se
dentro da floresta e correu para o esconderijo da quadrilha de bandidos. Chamou por ela e quando apareceu ela lhe disse, “Oh meu senhor e
mestre, estou tão feliz de lhe ver, não vejo a hora de escapar daqui consigo,
mas agora não é um bom momento, pois o
bandido chefe poderia facilmente nos seguir e matar-nos. Portanto, esperemos
até cair a noite.” Ela o levou para dentro, deu-lhe comida e o escondeu num
armário.
O chefe dos bandidos estava bêbado quando retornou à
noitinha. A Dama Malvada lhe perguntou, “Meu senhor e chefe, o que faria se
visse agora o meu ex-esposo?” Ele gabou-se dizendo, “Eu bateria nele e o
chutaria de um lado da sala para o outro. Onde está ele agora?” Ela respondeu,
“Ele está mais próximo do que você pensa.
Na verdade, ele está aqui mesmo neste armário!”
O bandido chefe abriu a porta do armário, arrastou o Leiteiro Sábio e, exatamente como
gabara-se, começou a bater e chutá-lo pela sala. Sua pobre vítima não
chorou, apenas resmungava –
“Mal-agradecida odiosa. Traidora mentirosa.”
Era tudo o que ele dizia. Finalmente parecia que ele estava
aprendendo uma lição – apesar de tão dolorosa!
Por fim, o bandido embriagado cansou-se de bater nele.
Amarrou-o, comeu seu jantar, e caiu na
cama para dormir totalmente embriagado.
Na manhã seguinte, após curtir sua bebedeira, o bandido
chefe acordou sóbrio e começou novamente a bater e a chutar sua indefesa
vítima. Ainda assim o Leiteiro Sábio não
chorava, mas continuava resmungando –
“Mal-agradecida odiosa. Traidora mentirosa.”
O bandido pensou, “Por que este homem continua dizendo a
mesma coisa o tempo todo, enquanto eu maltrato ele? E, vendo que sua esposa
continuava ainda a dormir, ele perguntou ao Leiteiro Sábio o que significava
aquilo. Este então respondeu, “Escute, eu vou lhe dizer. Eu era um santo homem
da floresta, desfrutando pacificamente um alto estado de mente, quando uma
noite ouvi esta mulher chorando ao estar sendo levada pelo rio por causa da
tempestade. Eu salvei sua vida e a trouxe de volta sã e salva. Entrementes ela
me seduziu e eu perdi toda minha calma e felicidade interna, fomos morar na
vila e passei a levar uma vida muito comum. Então, você a raptou. Ela me mandou
uma carta dizendo que sofria vivendo com você, e me pedindo para vir
resgatá-la. Como você pode ver, ela me atraiu a este desastre me colocando em
suas mãos. Por isso eu digo “ Mal-agradecida odiosa. Traidora mentirosa.”
O bandido chefe não era estúpido e pensou, “ Grande provedor
este homem era, e mesmo assim ela o colocou nesta difícil situação. O que ela
seria capaz de fazer comigo? Melhor seria acabar com ela de uma vez!”
Ele desamarrou o Leiteiro Sábio e o confortou dizendo, “ Não
se preocupe, cuidarei de você.” Então ele acordou a Dama Malvada e lhe disse,
“Minha querida, vamos matar este homem exatamente perto da sua própria
vila.” Assim, ele os levou à divisa da
vila deserta. Pediu a ela para segurar seu ex-esposo e então sacou de sua
enorme espada e a abaixou. Mas no último instante ele dividiu a Dama Malvada em
duas metades!
Até mesmo alguém malvado como este bandido assassino pode
mudar sua maneira de ser. Ele começou por cuidar de seu antigo rival até seu
restabelecimento. Após alguns dias de descanso ele perguntou-lhe, “O que você
vai fazer agora?”
O sábio homem respondeu, “ Não quero mais viver como dono de casa. Quero voltar
para minha velha floresta e meditar.”
O bandido disse, “ Eu gostaria também de ser ordenado e de
aprender a meditar na floresta.” Após desfazer-se de suas mercadorias roubadas,
ele foi viver na floresta tendo o
Leiteiro Sábio como seu mestre. Após muitos esforços, os dois alcançaram
um alto estado de felicidade interna.
A moral da história é:
A sedução pode ser perigosa para ambos, homem e mulher.
Fonte: Mas Belas Histórias Budistas